“O Homem é produto do meio no qual vive” Max Webber
As discussões sobre o resultado do caso dos “Embargos
Infringentes” apontam em pelo menos duas direções: a da legalidade e da
preservação do direito de defesa até o último recurso dos réus em julgamento, e
a decepção pública pela decisão do voto do Ministro Celso de Mello, interpretada
como a pá de cal sobre a imoralidade que infringiu os valores da Sociedade
Brasileira.
A decisão pela legalidade nos remete à necessidade de
se compreender que os direitos de defesa devem valer para todos – embora isso
não seja verdade para réus em posição bem diferentes dos ricos mensaleiros.
Grandes juristas dão razão para as argumentações do Ministro Celso de Mello,
mesmo na contramão do grito das ruas, ou da Nação toda. É verdade sim, que o
Supremo Tribunal deve se pautar única e exclusivamente na guarda da Lei. Diante
de tantas análises de proeminentes juristas de todo o País, do pontode vista do
direito e modelo jurídico vigentes, não é de bom alvitre arriscar mais um
palpite jurídico, ainda mais diante de uma decisão de 6 a 5 composta por 11
longas e ricamente fundamentadas justificativas para cada voto. O modelo
confuso de País, em todos os sentidos, proporciona a multiplicidade de criações
das mais variadas peças jurídicas.
É verdade que o duplo grau de recurso é um preceito de
defesa de um Estado de Direito Democrático conforme previsto em tratados
internacionais assinados pelo Brasil e válidos, portanto, como lei. Mas é
importante lembrar ainda que o Brasil se define como “Estado Democrático de
Direito”, o que poderia pressupor que julgamentos podem ser orientados pela
opinião pública. Um erro crasso de orientação da construção do arcabouço jurídico
tupiniquim, pois o Estado Constitucional, tal como o que existe nos EUA, por
exemplo, não prescinde da Democracia, ao contrário, precisa dela para legitimá-lo.
E o Estado de Direito se constrói com base no Senso Comum, como bem tratou Thomas
Paine. Afinal, uma Constituição, que dá origem ao Estado de Direito, deve se
originar da Sociedade, dos seus sensos comuns, e não a Sociedade ser originada de um texto
meramente positivado. Não somos robôs. Somos gente. E pagamos a conta!
Na busca da Justiça, a tecnicidade jurídica protege os
direitos de todos, mesmo quando se contraria o clamor público. Mas sua
complexidade dentro de um modelo jurídico asfixiado por um cipoal de leis e de
uma Constituição cujos 2/3 ainda carecem de regulamentação, proporciona aos
mais abonados financeiramente, a possibilidade de intermináveis estratagemas
interpretativos. Estes, quando revestidos de forte impacto político, resta a
conveniente teleologia, sempre bem fundamentada em uma dos preceitos escolhidos
no caleidoscópio legislativo e processual da terra brasilis. Ou seja, a melhor
defesa tem direta correlação com a quantidade de dinheiro disponível para pagar
quantos advogados forem necessários. Se isso for justiça então estamos realmente
perdidos... E os novos julgamentos se revestirão de mais um cansativo e
desgastante mistério, pois a possibilidade de novos integrantes substitutos no
STF pode se revelar em um golpe contra o Estado da Moral, usando os princípios
do Estado de Direito. Uma faca serve para cortar cebolas, mas pode ser usada também
para matar.
A moralidade na Justiça, invocada pelo clamor público,
traz, no seu bojo, por outro lado, um perigo ao Estado de Direito, remetendo-nos
à lembrança dos julgamentos à moda antiga, bem retratados nos filmes do Velho
Oeste norte-americano, quando pessoas morriam sem o devido direito de defesa. É
verdade que os indícios já foram provados, as imagens gravadas das falcatruas, os
testemunhos, e os cruzamentos de dados comprovam todos os ilícitos. O que se contrapõe
ao equilíbrio justo desse processo é o cipoal jurídico que permite que sempre
se restem dúvidas técnicas asfixiando a Justiça. O duplo grau de recurso dentro
do próprio STF restou absolutamente estranho diante da malfadada invenção
brasileira do foro privilegiado. Não é à toa a indignação infringente...
Diante disso, resta a desmoralização de mais uma
Instituição: o Judiciário. Não vale a pena comentar aqui, se isso faz parte de
um plano macabro de destruição gradativa de tudo que compõe as bases da Nação,
preparando-a para a tomada definitiva do Poder pelos atuais ocupantes ou por
alguém à espreita, que surgirá como o “salvador da pátria”. Mas cabe dizer que
tudo o que está ocorrendo não passa de mais um efeito do modelo equivocado de
construção estrutural do País. Ou seja, não há mais o que se gritar contra o
STF. A “Inês é morta”. Mas cabe fazer uma pergunta que não foi feita: estaria
esgotado o modelo do Judiciário no Brasil?
Melhorar o processo de indicações de ministros, como
muito bem proposto por uma PEC apresentada pelo Deputado Rubens Bueno (Paraná),
contribuirá e muito na busca do perdido equilíbrio e independência dos Três Poderes. O
risco totalitário por parte do Poder Executivo é maior do que nos anos do Regime
Militar. Mas não vai, infelizmente resolver o problema maior, pois a causa
permanecerá. O modelo jurídico e institucional da organização da Justiça no
País se consolida sob duas cortes máximas – STF e STJ – para as quais, seguem praticamente
todos os processos de todo o País. Mais do que duplo grau de recurso, a
multiplicidade de graus que ocorrem ainda dentro de cada instância simplesmente
engessou a Justiça. Tornou-a caríssima, absolutamente incerta mesmo nos casos
de direito líquido e certo e, distante da maioria da população, acessível
apenas a quem possui muitos recursos materiais.
Não estaria na hora de se pensar em descentralizar o
processo Legislativo para os estados federados e, com isso, limitar a
infra-constitucionalidade para dentro de cada estado? Cada réu do mensalão
seria julgado como criminoso comum, pois seus crimes se enquadram desta forma,
em cada estado, dentro de todo o rito processual com as garantias do
contraditório e da ampla defesa, com os graus de recurso até o limite da
infra-constitucionalidade estadual. E se algum direito de defesa tiver sido
negligenciado ou vilipendiado, contrariando os preceitos da Carta Magna
Federal, por certo, tal caso poderá chegar ao Supremo, passando ainda, por uma
etapa federal prévia. O Supremo só poderia julgar casos relacionados
exclusivamente à Constituição. E não seria mais, então, necessária a
continuidade de uma segunda corte máxima – o STJ. Não me recordo de outro país
que tenha duas cortes máximas...
Do jeito que as coisas transcorreram, a Suprema Corte
de Justiça no País foi rebaixada a um tribunal singular de primeira instância,
julgando crimes comparáveis no aspecto material e moral, aos que ocorrem todos
os dias, no nível de uma delegacia de polícia. O modelo Judiciário, mais do que
os juízes, é que precisa ser repensado e redimensionado conceitualmente e
estruturalmente. O Brasil como um todo, precisa ser desembargado. Ou, os
efeitos continuarão a ser indignadamente infringentes...