quinta-feira, setembro 19, 2013

Os efeitos dos mal feitos infringentes

“O Homem é produto do meio no qual vive” Max Webber


As discussões sobre o resultado do caso dos “Embargos Infringentes” apontam em pelo menos duas direções: a da legalidade e da preservação do direito de defesa até o último recurso dos réus em julgamento, e a decepção pública pela decisão do voto do Ministro Celso de Mello, interpretada como a pá de cal sobre a imoralidade que infringiu os valores da Sociedade Brasileira.

A decisão pela legalidade nos remete à necessidade de se compreender que os direitos de defesa devem valer para todos – embora isso não seja verdade para réus em posição bem diferentes dos ricos mensaleiros. Grandes juristas dão razão para as argumentações do Ministro Celso de Mello, mesmo na contramão do grito das ruas, ou da Nação toda. É verdade sim, que o Supremo Tribunal deve se pautar única e exclusivamente na guarda da Lei. Diante de tantas análises de proeminentes juristas de todo o País, do pontode vista do direito e modelo jurídico vigentes, não é de bom alvitre arriscar mais um palpite jurídico, ainda mais diante de uma decisão de 6 a 5 composta por 11 longas e ricamente fundamentadas justificativas para cada voto. O modelo confuso de País, em todos os sentidos, proporciona a multiplicidade de criações das mais variadas peças jurídicas.

É verdade que o duplo grau de recurso é um preceito de defesa de um Estado de Direito Democrático conforme previsto em tratados internacionais assinados pelo Brasil e válidos, portanto, como lei. Mas é importante lembrar ainda que o Brasil se define como “Estado Democrático de Direito”, o que poderia pressupor que julgamentos podem ser orientados pela opinião pública. Um erro crasso de orientação da construção do arcabouço jurídico tupiniquim, pois o Estado Constitucional, tal como o que existe nos EUA, por exemplo, não prescinde da Democracia, ao contrário, precisa dela para legitimá-lo. E o Estado de Direito se constrói com base no Senso Comum, como bem tratou Thomas Paine. Afinal, uma Constituição, que dá origem ao Estado de Direito, deve se originar da Sociedade, dos seus sensos comuns,  e não a Sociedade ser originada de um texto meramente positivado. Não somos robôs. Somos gente. E pagamos a conta!

Na busca da Justiça, a tecnicidade jurídica protege os direitos de todos, mesmo quando se contraria o clamor público. Mas sua complexidade dentro de um modelo jurídico asfixiado por um cipoal de leis e de uma Constituição cujos 2/3 ainda carecem de regulamentação, proporciona aos mais abonados financeiramente, a possibilidade de intermináveis estratagemas interpretativos. Estes, quando revestidos de forte impacto político, resta a conveniente teleologia, sempre bem fundamentada em uma dos preceitos escolhidos no caleidoscópio legislativo e processual da terra brasilis. Ou seja, a melhor defesa tem direta correlação com a quantidade de dinheiro disponível para pagar quantos advogados forem necessários. Se isso for justiça então estamos realmente perdidos... E os novos julgamentos se revestirão de mais um cansativo e desgastante mistério, pois a possibilidade de novos integrantes substitutos no STF pode se revelar em um golpe contra o Estado da Moral, usando os princípios do Estado de Direito. Uma faca serve para cortar cebolas, mas pode ser usada também para matar.

A moralidade na Justiça, invocada pelo clamor público, traz, no seu bojo, por outro lado, um perigo ao Estado de Direito, remetendo-nos à lembrança dos julgamentos à moda antiga, bem retratados nos filmes do Velho Oeste norte-americano, quando pessoas morriam sem o devido direito de defesa. É verdade que os indícios já foram provados, as imagens gravadas das falcatruas, os testemunhos, e os cruzamentos de dados comprovam todos os ilícitos. O que se contrapõe ao equilíbrio justo desse processo é o cipoal jurídico que permite que sempre se restem dúvidas técnicas asfixiando a Justiça. O duplo grau de recurso dentro do próprio STF restou absolutamente estranho diante da malfadada invenção brasileira do foro privilegiado. Não é à toa a indignação infringente... 

Diante disso, resta a desmoralização de mais uma Instituição: o Judiciário. Não vale a pena comentar aqui, se isso faz parte de um plano macabro de destruição gradativa de tudo que compõe as bases da Nação, preparando-a para a tomada definitiva do Poder pelos atuais ocupantes ou por alguém à espreita, que surgirá como o “salvador da pátria”. Mas cabe dizer que tudo o que está ocorrendo não passa de mais um efeito do modelo equivocado de construção estrutural do País. Ou seja, não há mais o que se gritar contra o STF. A “Inês é morta”. Mas cabe fazer uma pergunta que não foi feita: estaria esgotado o modelo do Judiciário no Brasil?  

Melhorar o processo de indicações de ministros, como muito bem proposto por uma PEC apresentada pelo Deputado Rubens Bueno (Paraná), contribuirá e muito na busca do perdido  equilíbrio e independência dos Três Poderes. O risco totalitário por parte do Poder Executivo é maior do que nos anos do Regime Militar. Mas não vai, infelizmente resolver o problema maior, pois a causa permanecerá. O modelo jurídico e institucional da organização da Justiça no País se consolida sob duas cortes máximas – STF e STJ – para as quais, seguem praticamente todos os processos de todo o País. Mais do que duplo grau de recurso, a multiplicidade de graus que ocorrem ainda dentro de cada instância simplesmente engessou a Justiça. Tornou-a caríssima, absolutamente incerta mesmo nos casos de direito líquido e certo e, distante da maioria da população, acessível apenas a quem possui muitos recursos materiais.

Não estaria na hora de se pensar em descentralizar o processo Legislativo para os estados federados e, com isso, limitar a infra-constitucionalidade para dentro de cada estado? Cada réu do mensalão seria julgado como criminoso comum, pois seus crimes se enquadram desta forma, em cada estado, dentro de todo o rito processual com as garantias do contraditório e da ampla defesa, com os graus de recurso até o limite da infra-constitucionalidade estadual. E se algum direito de defesa tiver sido negligenciado ou vilipendiado, contrariando os preceitos da Carta Magna Federal, por certo, tal caso poderá chegar ao Supremo, passando ainda, por uma etapa federal prévia. O Supremo só poderia julgar casos relacionados exclusivamente à Constituição. E não seria mais, então,  necessária a continuidade de uma segunda corte máxima – o STJ. Não me recordo de outro país que tenha duas cortes máximas...


Do jeito que as coisas transcorreram, a Suprema Corte de Justiça no País foi rebaixada a um tribunal singular de primeira instância, julgando crimes comparáveis no aspecto material e moral, aos que ocorrem todos os dias, no nível de uma delegacia de polícia. O modelo Judiciário, mais do que os juízes, é que precisa ser repensado e redimensionado conceitualmente e estruturalmente. O Brasil como um todo, precisa ser desembargado. Ou, os efeitos continuarão a ser indignadamente infringentes...