“Antiquus
pullum scandere novit eques”
(Para cavalo novo, cavaleiro velho – autoria desconhecida)
Em
matéria publicada na Folha (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/aecioneves/1258942-causa-federativa.shtml)
titulada “Causa Federativa” o candidato cada vez mais candidato Aécio Neves
ataca a concentração de poderes e a distribuição de recursos da União aos
estados e municípios, causando ao incauto, nítida impressão da defesa de uma
Federação renovada. Mas, como ele mesmo afirmou no início de seu artigo,
“Federação nem sempre é um tema bem compreendido”.
Para
ajudar o leitor daquela matéria, vários nos consultaram a respeito, tomei a
liberdade de fazer um contraponto, cuja verdade poderá soar como toda verdade,
uma insolência. O que Aécio defende não é federalismo pleno, é um
redimensionamento da repartição as receitas dentro do modelo federativo
unitário brasileiro.
Vamos às
diferenças cruciais:
MODELO
FEDERATIVO - o que Aécio defende - é
"um modelo mais solidário, participativo, movido pelas responsabilidades
compartilhadas entre as esferas de governança". Ou seja, a manutenção do
modelo de arrecadação centralizada com a manutenção da redistribuição - o tal
compartilhamento, palavra bastante utilizada nas redes sociais – bonita, portanto.
A expressão
"participativo" soa vaga, remetendo, em um primeiro raciocínio
lógico, a permanência do modelo de transferências dos estados do Sul e Sudeste,
de mais e mais recursos para compensar os déficits estruturais de estados mais
pobres. O "solidário" dá um fechamento eufemista, político,
“fraterno”, realmente “tocante”, mas sem
fundamento econômico e prático do ponto de vista dos resultados esperados pela
população no médio e longo prazo. Afinal, a solidariedade pode ser entendida
também com a manutenção de todo o modelo que sustenta muita gente, das três
esferas de governo e dos Três Poderes. Solidariedade com o dinheiro do
cidadão... estaria o cidadão solidário a isso?
A tal da
"responsabilidade compartilhada entre as esferas de governança" é
mais uma bela expressão que significa, no fundo, a integração total que já vem
ocorrendo das três esferas de governo, especialmente com a Receita Federal.
Aliás, a Super Receita Federal, cada vez mais super... Ninguém mais obtém um
alvará sem que o CNPJ, de emissão federal, seja entregue juntamente com o
documento de emissão municipal, mas este não é entregue se existir qualquer
obrigação, inclusive acessória, simples que seja, por parte do cidadão, junto a
qualquer esfera governamental (Governo Federal, estadual ou municipal), de
qualquer parte do País. Ao se pensar em meia dúzia de pilantras se pune toda
uma população de 200 milhões de pessoas.
O
candidato ao Planalto em 2014 discursa corretamente com os números e a
concentração de poderes e de recursos, mas a leitura correta, atenta, poderá
ser traduzida facilmente pela manutenção do mesmo, falando do mais. Outro
exemplo que demonstra isso está na frase: "Temas aparentemente tão
distantes como a mudança da legislação do ICMS, a revisão do Fundo de Participação
dos Estados, a renegociação das dívidas dos Estados com a União, a partilha dos
royalties ou o novo marco sobre a exploração mineral podem impactar
profundamente a vida dos brasileiros, embora nem todo mundo se dê conta."
Note-se a manutenção do mesmo Fundo de Participação dos Estados, a mesma
ladainha em relação ao ICMS, renegociação de dívidas dos estados dom a União (sic), partilha de
royalties de um petróleo que nem foi alcançado ainda, e ainda um novo marco
nacional sobre a exploração mineral - ou seja, tudo se mantém com a União. Nova roupagem para o mesmo conteúdo, agora,
federativo. Ou, como o ditado latim, o mesmo cavalheiro velho para um cavalo
novo.
Isso tudo
me faz lembrar daquele quadro no Casseta & Planeta do rapaz trajando cueca
de couro e afirmando peremptoriamente não ser gay. Chico Anísio também brincava
com essa ambiguidade. E a política no Brasil é isso, ambiguidade.
MODELO
FEDERALISTA - Em uma federação de
verdade, estados não devem à União. Estados fazem sua legislação fiscal
livremente. Não existe Fundo de Participação dos estados, nem de municípios. Os
royalties de minerais e até da pesca explorados dentro de um limite geográfico
- nos EUA é de 12 milhas náuticas - pertencem aos respectivos estados e além
disso, aí sim, à União, respeitando-se os limites internacionais.
Em uma
Federação ampla, de autonomias estaduais e municipais, cada estado tem
liberdade para fazer suas leis, adotar alíquotas próprias para tributar o que
considerar justo, assim como municípios têm liberdade até para definir se
continuam a pagar uma camara de vereadores ou se adotam uma câmara de
conselheiros não remunerados, ou remunerados parcialmente, ou por
comparecimento. Cada cidade deve decidir. Nunca Brasília. Nem pela
Constituição, como pretende uma PEC que quer "canetear" todas as
câmaras de cidades com menos de 50 mil habitantes. Uma medida aparentemente
saneadora, mas absolutamente errada na forma, antidemocrática, porque cada
cidade tem sua característica e a democracia implica no poder de decisão de
quem paga a conta - no caso, o povo de cada localidade.
A
Federação plena de autonomias deixa para o Governo Central apenas tarefas
essencialmente de interesse nacional, tais como, a Moeda, as FFAA, as Relações
Externas, Uma Corte Suprema e secretarias para temas como pesos e medidas,
propriedade intelectual, finanças, seguros, ou seja, normas gerais de assuntos
que não invadam a competência dos estados e que tais competências não criem
países dentro da Federação. Pesos e contrapesos.
Não
existe, portanto, nenhuma possibilidade de reforma séria do modelo atual se não
se passar pela descentralização e multiplicação dos centros de poder. A
ampliação do tamanho das migalhas da União aos estados e municípios não deveria
sequer ser chamada de "revisão de pacto federativo", pois isso até
mereceria um processo contra propaganda enganosa.
O exemplo
disso se consubstancia no encerramento do artigo do candidato mineiro: "É
um alicerce para a construção de um país menos desigual. Recuperar os valores
que a sustentam e equalizar direitos e deveres entre as esferas de governo é
mais que uma tarefa política." Ora, uma federação é a soma das
desigualdades. Não é a desigualdade que deve ser combatida, porque isso
significa tirar de um para dar para outro na busca da equalização, quem conhece
a Teoria de Pascal, dos Vasos Comunicantes, sabe como isso funciona. Há que se
criar oportunidades iguais para todos, aceitando-se que o mérito premiará os
que mais trabalharem, os que mais forem competentes, os mais criativos, tudo
isso em qualquer área, da indústria às artes, da agricultura ao esporte, é isso
que motiva o progresso humano. Afinal, quantos Neimares, Pelés, Ronaldinhos,
etc, existem? Se o termo "desigualdade" tivesse alguma aplicação por decreto
(vade retro!), certamente esses
talentos, assim como outros em outras áreas, seriam punidos por serem melhores,
se destacarem, e seriam proibidos de fazer salários melhores do que um perna de
pau de um time de várzea.
Finalmente,
o que é necessário equalizar, não como o candidato Aécio expressa, é o
conhecimento amplo, geral e irrestrito de todos os brasileiros sobre os
princípios da verdadeira federação, dos benefícios do Poder Local, atrelados à
Responsabilidade Local. Einstein dizia que nenhum cérebro que aumente de
tamanho pelo incremento de conhecimento tem condições de voltar ao tamanho
anterior. Quando o Povo Brasileiro souber da verdade, o Brasil despertará
finalmente, o gigante pela própria natureza, anestesiado em berço esplêndido
pela simples ignorância da verdade.